domingo, 11 de setembro de 2011

Gianechinni e a espetacularização da doença

Em sua obra, Michael Foucault conta, como até não muito tempo atrás as pessoas doentes eram isoladas, postas fora do convívio e dos olhos dos considerados sãos não só por motivos de higiene, de saúde ou de ignorância mas por vergonha, uma vergonha misturada com uma idéia de dignidade.
Aos homens era dada não uma escolha mas a imposição de morrer longe dos olhos curiosos, definhar ou curar-se dentre quatro paredes. Às famílias, muitas vezes era relegada à escolha: o que fazer com o doente? Interná-lo, isolá-lo em um ato extremo, numa colônia para doentes (como no caso dos leprosos) ou tomar conta deles dentro de casa mesmo, em algum porão ou algum quarto desocupado em outra ala da casa, se a família tivesse recursos.
O que diriam estas pessoas de tempos idos se vivessem hoje em dia, em meio a este bombardeio de informação e acompanhar das doenças e envelhecer alheio? Hoje, todas as fases de uma vida estão expostas em todos os meios de comunicação, tudo parece interessar: o que se come, o que se coloca para fora, as secreções, as horas privadas( elas existem?), o não consciente, o erro, o grotesco, o passo em falso.
Agora, inúmeras capas de revistas reportam cada passo do tratamento do câncer de Reinaldo Gianechinni, transformando algo que deveria ser da esfera privada em um espetaculo sem limites. Tudo é documentado. A primeira ida à quimioterapia, as mensagens de força dos amigos, tudo. Não há como fugir, se você abre um jornal, está lá. Está no portal de notícias da internet e no telejornal. E não só ele, o diretor Marcos Paulo, o ex - jogador Sócrates.
Enquanto isso, inúmeras crianças estão lá, no Hospital do Câncer e em outros sem número de hospitais precisando de tudo e seguem em sofrimento e anônimas. Ninguém sabe a história delas, ninguém, a não ser suas famílias parecem se importar com sua morte. Ninguém lamenta em rede nacional.

sábado, 6 de agosto de 2011

Estas crônicas se atrasaram ao devido motivo: a autora arrancava os cabelos, tentava assobiar, chupar cana e escrever os trabalhos de mestrado ao mesmo tempo. Mil perdões.

Sou brasileira e as vezes assisto novela



Outro dia estava escrevendo um email para um amigo indiano e, contei a ele que há mais ou menos um ano e meio atrás, a Índia estava (ainda mais) na moda por causa de uma novela que se passava parte aqui, parte lá. Não dei detalhes, não contei a trama ou nada disso. Disse apenas que, embora eu não saiba muito sobre o país dele, creio que a autora colocou (como era de se esperar) um bando de clichês, todos juntos. O paralelo que pude fazer foi que, eu acreditava que era um pouco como os filmes de Bollywood, as roupas e jóias espetaculares, a música, as danças, o amor proibido entre pessoas de castas diferentes, guardando as diferenças da parte da novela que se passava no Brasil.

Deixou-o reticente o fato de eu ter mencionado uma novela e não um filme, um livro, até mesmo uma música ou um estilo de vida, peregrinação ou qualquer coisa mais moderninha e que lembre Índia. Precisei explicar que isto estava numa memória mais ou menos recente e sobre a cultura das telenovelas brasileiras.

Sem nunca esperar que um dia eu faria isto, me vi escrevendo e descrevendo a atração das novelas, o papel sócio – cultural que desempenham, o fato de serem produções tradicionais da televisão brasileira capazes de abordar diversos tipos de assuntos, que são diferentes das telenovelas hispânicas (bregas, com péssimas atuações e melodramáticas demais) e das americanas (que duram anos a fio, com um elenco renovável, mais ou menos como a Malhação).

E já que eu toquei no assunto de No Camino das Índias (claro que não disse que o nome da novela era este), eu acabei falando sobre o trabalho da Glória Perez, dizendo que ela tinha o costume de procurar saber (e mostrar) outras culturas: A Índia e um pouco do hinduísmo (deixando de lado o fato de que todo o elenco masculino indiano da novela era composto de homens brancos), o Marrocos e o islamismo, imigrantes tentando ultrapassar a fronteira dos Estados Unidos, ciganos... Quando dei por mim, estava quase defendendo a Glória Perez. De que, é que eu não sei explicar.

Conforme fui crescendo, e me interessando por “coisas sérias”, era natural que as tramas televisivas da TV aberta perdessem espaço. No seu lugar, entraram as sitcoms de comédia, durante a adolescência, quando eu precisava relaxar e as séries policiais (Law and Order, Law and Order SVU, Criminal Minds, e afins), dramas (House, Dexter e por aí vai) e o canal de notícias, uma vez ou outra. Muitas outras vezes, a TV fica ligada somente por força do hábito, para acompanhar a leitura.

No entanto, toda a noite, depois do jantar e do Jornal Nacional, as famílias das mais diversas classes sociais se sentam à sala para assistir Insensato Coração neste momento, por exemplo. A Duas semanas (e mesmo antes) de seu fim, as pessoas mais impensáveis andam declarando em redes sociais que vão sentir falta da novela que tem posto um pouco mais de adrenalina na casa de todos nós. Mesmo quem não assiste à novela, pergunta vez ou outra, timidamente, a quantas anda o plano da “dona” Norma (que virou ícone!).

A telenovela é uma fonte de cultura tão arraigada nas pessoas, aqui que eu me senti quase na obrigação de falar bem, ainda que eu não goste. Mas, como posso dizer isto se, toda noite, agora, depois dos chatos meses iniciais em que eu somente de passagem pela sala reclamava da programação escolhida, nem como antes das 22:30 hrs?

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ética na internet? Qual ética?



Na Revista O Globo desta semana, a matéria principal era sobre a etiqueta dos relacionamentos amorosos em tempos de internet. Vamos adaptar este texto retirando somente o termo “amorosos” - não estou em condições algumas de dar palpite sobre isso.

O artigo disse, numa de suas frases que os site de relacionamentos atuais seriam acrópoles da Grécia Antiga contemporâneas. Para os que pularam as aulas de história e/ou geografia, acrópole era a parte da cidade construída nas partes mais altas do relevo da região e tem dupla função: enobrecer e elevar os valores humanos(?) e uma função estratégica, uma vez que permite que seja traçada uma melhor defesa.

O problema é que as pessoas confundem as coisas. Elas vêm um espaço que é um repositório aberto, do que você quer que seja e acham que pode opinar indiscriminadamente. A maioria das pessoas é ávida por dar a sua própria opinião, mesmo que esta não seja solicitada (e na maioria das vezes, não é mesmo).

Qualquer notícia, em especial as ocorridas durante o fim de semana cujo número de pessoas ociosas é muito maior, desperta uma série de comentários, críticas, elogios, reflexões, filosofias de copo e de vez em quando até umas epifanias. Por enquanto eu ainda não presenciei uma epifania online. Quem sabe da próxima?

Me irrita? Claro. Eu estou aqui, sentada na minha cama, recebendo o lixo do mundo em delivery. E o mesmo serve para o resto do mundo. Mas, sei que isso tudo vai embora com um clique. Hoje em dia, se pode deletar, bloquear, moldar e escolher o que você quiser, deixar só quem você quer ver o que você quer e- se você não quer nada na sua caixa de e-mails depois? Não tem problema, porque não precisa.

Calma. É o seguinte. Eu não estou falando de ética de relacionamentos ou ex relacionamentos amorosos e nem ética com relação ao trabalho, principalmente se é um trabalho que envolve consumidores. Na verdade,estou tratando de algo bem mais comum: do meu, do seu, do nosso direito de falarmos o que quisermos nas NOSSAS redes sociais, sem ter gente dando ataque no mural do nosso Facebook.

De novo, não é? Mark Zuckenberg tem que começar a tomar vergonha na cara e me reconhecer como divulgadora do site. Estou eu, entediada, numa manhã de domingo, vendo todas as caixas altas no meu mural por causa da morte da Amy Winehouse, aquela capa escandalosa do Meia Hora, e láaaa embaixo, uma pessoa, que me adicionou por... não sei o motivo. Só sei que a Instituição de Ensino é a mesma (e mesmo assim, no meu sexto ano de estudo consecutivo lá eu não vi essa pessoa, certamente devo ter passado direto várias vezes sem saber que ela era aquela lá do meu FB.) a pessoa pra cima, dizendo a todos para dizerem não as drogas e escolherem a vida.

Say no to drugs? Isso não era um slogan dos anos 90? Eu achei falso. Não ela, a mulher. Mas o discurso, o discurso falso, requentado, esse discurso moralista cristão me irrita porque ele não traz nada de novo. Poxa... vai resgatar o menino que está lá na crackolândia como? Mandando ele dizer não e escolher a vida? Tenho a sensação de que se eu tentasse isso na prática, o moleque roubaria meu dinheiro e me mandaria para aquele lugar.

Eu “já não estou boa”, ler esses comentários pollyanna me irritam mais ainda! E não estavam irritando só a mim. Morre uma pessoa e de repente, o santos surgem e baixam nas nossas redes sociais para nos darem conselhos e nos presentearem com pérolas de sabedoria.

Escrevi as seguintes linhas: “patético esse pessoal do "drogas não, escolha a vida". hello, queridos: vcs tbm irão morrer. Pfff” (suprimi o comentário sobre problemas mensais femininos) – e foi o apocalipse! - desculpe o trocadilho. Mas olhe, eu escrevi isso no meu perfil, no meu mural do FB. Ia aparecer no dos outros,se essa opção estiver habilitada para eles. Eu não tranquei nem nada porque, pisei em alguns calos mas esses calos estaVAM protegidos pelo anonimato. Até uma delas rodar a baiana comigo, porque claramente eu nunca vi ninguém morrendo dessa maneira e os médicos não tratam por que drogar-se é cometer um atentado contra a própria vida. Antes ela havia dito que é patético procurar a morte.

Posso argumentar? Agradeci e disse que lá o tópico não estava aberto a discussões e que a minha opinião -infundada (ou não) – porque afinal, também a minha vida não está aberta no FB – tbm não está aberta a discussões pelo FB. Resumindo: eu tenho uma opinião fortíssima sobre drogas, remédios, suicídios e impulso de morte e isso tudo, acaba se imbricando em várias crenças polêmicas que tenho – como a crença de que as drogas deveriam ser legalizadas e se tornarem um problema de saúde pública ao invés de segurança pública. Mas o Brasil não está preparado para isto. Obvio que não está. O Brasil não está pronto para uma série de coisas, mas vai fazer o que? Deixar tudo do jeito que estiver e esperar um milagre?

Houve essa tentativa de me censurar no Facebook porque essa pessoa viu um colega a deriva, cheio de sei lá o quê, sendo ignorado por médicos (que tipo de médicos e que tipo de hospital? COBREM DO GOVERNO!) porque se drogar é atentar contra a própria vida.

Volto a minha fala: morrer, vamos todos. Mesmo até dentro de casa. A torradeira pode cair na sua cabeça. Uma folha de louro ficar presa na sua garganta – e eu não estou sendo engraçadinha. Essas coisas de fato acontecem.

Reparem que na minha fala, no meu mural, eu não fiz apologia às drogas. Eu só critiquei de forma acida os santinhos, né?esse pessoal tão do bem, tão bem resolvido. Não tomam café, nem uma aspirinazinha.

Minha página vale um bate boca porque eu falo “patéticos os do drogas não, vida sim”, bati e levei o tapa de volta mesmo. Honrada. Eu sou humana feita de pulsão de vida e de pulsão de morte – e talvez mais um pouquinho da pulsão de morte.

Acho sinceramente menos humana uma pessoa que acorda, olha animadamente a janela ensolarada cedo da manhã, pula da cama, diz bom dia (pra quem?) e agradece a Deus. Isso não faz o menor sentido no meu mundo. Parece que eu estou servindo um astro que me dá calor.

Eu salvo o mundo do meu jeito. Não preciso desfiar o rosário de misérias pelos quais meus amigos, colegas, conhecidos tenham passado na rede, para que eles se tornem exemplos bons ou maus de qualquer coisa.

A privacidade para mim, bate Política e Religião.

E, para terminar e deixar claro: tanto neste blog, quanto no outro, quanto no meu FB: Eu não deleto comentários. Acho falta de respeito. As vezes eu não respondo, principalmente quando eu vi que o mesmo argumento está sendo repetido. Mas, a minha primeira reação a comentários inflamados e críticas desconstrutivas é chamar o próximo, eu não preciso ficar horas tentando convencer ninguém, se o assunto não é tão importante assim. Minhas redes sociais e blog uma são uma espécie de ditadura. Eu não digo a ninguém que não podem falar A ou B ou W ou Z, podem sim! Mas eu posso desconsiderar tudo que foi dito. Eu lerei. E como a magnânima do meu blog ou do meu Facebook, tenho a palavra final. Creio que estarei certa bem mais vezes do que imagino.

Mas eu posso considerar que A é um argumento ingênuo para este tema, mas pode melhorar – só que este tema não estará eternamente em pauta.

Os temas em pauta, em qualquer blog meu, em qualquer rede de relacionamentos na qual eu mantenha um perfil e esteja logada nesse perfil são também meus. Não são proibidas interações. Serão proibidas pessoas que se sentem ofendidas e que vem bater boca em público de como eu sou indiferente e não piedosa, ou qualquer ajetivo que uma pessoa que não me conhece pode pensar para me definir

terça-feira, 12 de julho de 2011

Uma, nenhuma, cem mil

Precisei buscar no meu falecido fotolog uma foto minha (antiga, é claro) para ilustrar a crônica desta semana: um episódio digno de ficção, daquelas coisas que as pessoas lêem (ou escutam) e pensam: como é que pode, isso só acontece com você!

Ontem, durante um breve tempo (alguns minutos, eu acho, como sempre eu não sei precisar tempo), de madrugada, entre um bocejo e outro, um homem, do qual eu não tenho nenhuma lembrança veio falar comigo no chat do Facebook. Se me perguntarem quem é, a única resposta que tenho para dar é: não tenho a menor idéia. Eu não lembrava mesmo do cara, não me lembro de ter nem lido o perfil dele (porque não o conheço e nem me interessa), só sabia que ele não era um amigo. Um amigo que se pudesse chamar de algo próximo.

Então, oi,oi, tudo bem – pergunta de praxe a minha porque não estava com vontade de conversar com desconhecidos, já estava ficando com sono, imaginei que eu fosse receber um “tudo” de volta e morresse por aí. Antes fosse. A resposta já fugia do usual, dizendo que tudo era muita coisa. Eu concordo, realmente, tudo é muita coisa para estar bem mas naquela altura, só pude pensar: ai, não... outro daqueles metidos a pensadores, olha, tem a barbinha do Che Guevara e tudo! Puta que me pariu! Eu mereço!!!” Seguiu-se a isso uma série de elogios despropositados dizendo primeiro que eu era linda, depois, que eu era “Almodovar”, o que quer que ser Almodóvar queira dizer – e olha que não é a primeira vez que ouço/leio isto - “eu já te amo” e para arrebatar antes de eu retomar o fôlego...o ouro assim, meio tímido: assim, você tem nariz. Mulheres precisam ter nariz. Para tudo que o cara que está dando em cima de você aleatoriamente na internet acaba de te chamar de nariguda.

Pausa para o recado: Queridos rapazes, se vocês desejam expressar o quanto uma mulher é bonita destacando algo do rosto dela, fale dos olhos, fale da boca, do sorriso, da pele. São clichês mas funcionam, a mulherada se derrete, mesmo que seja mentira. Não fale nunca do nariz. Nenhuma mulher gosta do próprio nariz, a não ser que tenha feito plástica ou ele tenha nascido lindinho e arrebitado.

Não mencionei que antes disso tudo ele me perguntou quem eu era. Eu só consegui responder depois dele ter vomitado as palavras em cima do pc dele para o meu. Respondi com um “quem é você” em caixa alta porque, afinal das contas, ele que tinha vindo falar comigo. Agradeci os elogios como uma boa moça – ele negou que tivesse me feito algum e disse que era um bosta. Bem, não pude discordar.

Então acho que o tico e teco dele resolveram passear e ele só falava em monossílabos, me chamou pelo meu nome – alguém já viu uma pessoa que nunca te viu na vida querendo dar uma certa intimidade na mensagem tacando seu nome no meio dela? Pois é. Perguntou aonde, se no Rio, que adora o Rio, Leme, Santa Tereza, tem amigos. E eu com isso?

Na sequência: músicos, atores, escritores (eu). O Rio é demais! Isso no meu décimo quinto bocejo já preparando a despedida do maluco que se esqueceu como se conversa. E então ele me pergunta se eu conheço Porto Alegre. Disse que não porque meu resto de família do sul não mora em Porto Alegre. E ele perguntou mora onde, não entendi se a pergunta se referia à mim ou ao meu resto de família sulista. Preferi que a pergunta fosse sobre eles e disse que não sabia, que nem tinha contato e que se espalharam pelo interior. A resposta real é: eu não ligo. Tios e tias avós que nunca vi na vida e que nunca me viram também.

O homem disse que eu tinha cara disto. Quando um homem diz para uma mulher que ela tem cara de alguma coisa, nunca é coisa boa. O pior é que eles acham que é e as mulheres precisam se preparar para o chumbo grosso que estar por vir. Provavelmente um palavrão. Perguntei, o que mais eu podia fazer? Eu tenho cara de bastarda. Então é isso... eu sou uma nariguda com cara de bastarda. Meus dois pais estão em Vila Isabel, vivos, divorciados, ok. Eu não tenho exatamente uma relação ótima com nenhum dos dois mas eu sou a primogênita de ambos. Ninguém finge que eu não existo, ainda. Não sou bastarda. Eu tenho um lugar, talvez não seja o melhor lugar para mim ou o lugar que eu queira ou que me identifique, mas tenho. Não falei que vinha merda? Eu avisei. Meu último “você tem cara de” foi na Bunker há cinco anos atrás e eu ainda não me recuperei.

Isso me lembro do Um, nenhum e cem mil do Pirandello, ótimo livro. Livro sobre o qual eu preciso fazer uma monografia de mestrado e que começa justamente com uma observação sobre um nariz. Nem perdi tempo recorrendo ao espelho para despertar o Vitangelo Moscarda existente em mim. Essa não é a primeira observação não lisonjeira que meu nariz recebe. Já ganhei “o seu nariz é meio batatinha”, da minha mãe e “você tem nariz de judia velha” de uma ex-atual paixão. Para que colocar meu mundo de cabeça pra baixo por causa disso? Eu não gosto e nem desgosto dele – e o fato de eu ter dois piercings no nariz, não é para enfeitá-lo ou para chamar mais atenção para ele, eu gosto dos piercings, o nariz podia ser melhor. As pessoas que falam comigo podiam ser melhores, eu mesma poderia. Atitude bastarda? Pode ser.

E o moçoilo? Ficou a me mandar vídeos e a dizer que sou linda linda e linda enquanto me despedi educadamente e com aquela famosa promessa de carioca que não será cumprida.

sábado, 9 de julho de 2011

A massa polar

Basta ir as ruas, quinze minutos basta. Quando as ruas não estão desertas (ou quase isso) quando a circulação de pessoas deveria ser normal, temos uma idéia do que a massa polar, confortavelmente instalada no ex Estado da Guanabara está gerando.

Cariocas não desgostam somente de dias nublados, eles não sabem como lidar com o frio, poucas foram as vezes que estiveram frente ao frio real. O que o resto do mundo está acostumado a receber nunca passou por aqui. Não vemos neve, não temos geada, raramente temos temperaturas inferiores a dez graus, mesmo no inverno. Raramente, não é sempre.

O guarda – roupa do carioca, qualquer que seja ele, está equipado com roupas leves e veronis. Todo mundo que mora no Rio de Janeiro tem pelo menos duas roupas de banho (ou que servem para ir à praia, tomar sol, ir a uma piscina) e pelo menos, dois pares de sandálias havaianas. Independente de classe social, sejam as havaianas só para usar dentro de casa ou para fazer as unhas dos pés. A gente tem.

Nesse julho da massa polar, com madrugadas com temperaturas inferiores aos dez graus, tenho dormido com um cobertor, um edredom, calça, meia, camisa do pijama, blusão de manga comprida e... luvas! Li em algum lugar que o que deve estar mais protegido do frio são as extremidades do corpo: cabeça, pés e mãos. Talvez eu colocasse o nariz. Dentro desse clima úmido no qual nenhum casaco basta e dessa chuvinha fria, dos ventos cortantes beira-mar, rapidamente o nariz fica gelado – e ressecado. Quem aí tem um capote de lã para me emprestar? Um suplemento vitalício de anti- alérgicos? Quem é que vai desumidificar a Guanabara e permitir que eu tenha uma vida algo normal num inverno que só é anormal para os cariocas?

Antigamente, nos tempos de escola, eu já havia me dado conta dessa necessidade de manter minhas extremidades quentes, minhas mão geladas pendiam e eu, enroscada na minha carteira, levava as mãos discretamente para dentro do blusão de lã e da camisa do uniforme: para ser mais precisa, ou colocava as mãos frias na barriga ou, dentro do sutiã – maneira agilíssima de conseguir esquentar qualquer coisa, enquanto sentia minhas próprias palpitações, o calor emanava de mim para mim mesma. O único porém era, ao suspirar de alívio, dar a impressão errada a algum colega que porventura me vigiasse no momento. Não pega bem quando se é adolescente, suspirar segurando os seios. Mesmo no frio e, principalmente por estar na sala de aula. É preciso caprichar no olhar de “não é nada disso que você está pensado” ou no olhar de “seu pervertido, quer parar de ficar me encarando com esse olhar de babão? Uma pessoa não pode nem mais tentar se esquivar do frio da única maneira que encontra!”.

Falar, nunca. Tudo fica subentendido e logo após, esquecido, a névoa leva os pensamentos para dentro de sonhos quentes como o líquido uterino, do qual vaguíssimas lembranças nos chegam inconscientemente, toda vez que nos postamos em posição fetal com o ataque das massas polares.

A temperatura mais baixa que nossa cidade atingiu, foi em 1929, 4,8 graus centígrados nos Campos dos Afonsos, um lugar propenso a temperaturas muito baixas. Essa semana, o recorde de baixa nos Afonsos chegou a 7 graus. Sete graus em uma cidade que está acostumada a ter um inverno de temperaturas amenas, onde os turistas vão para a praia porque nenhum carioca sabe o que é frio de verdade. A verdade é: ninguém está preparado para o frio de verdade. Numa cidade em que o normal é reclamar de um calor quase sub-saariano e se conformar com sensações térmicas de mais de quarenta graus, chegar a sete, é mais do que motivo de crise, é motivo de desconcerto mesmo.

Debaixo da névoa, a gente não sabe onde a cidade foi parar, por baixo de camadas de roupas grossas, ninguém sabe onde se esconde o corpo ondulante da mulata, do alto, guarda- chuvas tomam o lugar de pessoas numa luta de espadas nas calçadas estreitas. O Rio cinza, não é Rio, não tem samba e nem carnaval. O futebol não empaca e os vendedores de rua, perdem o molejo. Essa semana, o Rio e eu fomos engolidos sem dó por um urso polar. Esperamos que no interior do seu estômago as coisas estejam mais quentes (e coloridas).

quarta-feira, 29 de junho de 2011

As públicas lágrimas

Transportes públicos, um problema. Transportes públicos no Rio de Janeiro: um problema maior ainda. São mal cuidados, barulhentos, atrasados, cheios, sempre, sempre cheios de gente e muitas pessoas mal educadas que se encostam, que conversam entre si sem nunca terem se visto na vida, que acham que o resto do coletivo precisa compartilhar preferências musicais em celulares altíssimos, sempre com aquele batidão insuportável para quem não gosta de funk.

O fone do meu celular, na bolsa. Não o pûs nem na ida e nem na volta. Era o começo de um daqueles dias ruins que nem a melhor música de fossa ou o melhor pop super dançante melhoraria. Na verdade, nem ouvir o Mika cantando teria me feito feliz – e o Mika sempre consegue me fazer querer dançar onde quer que eu esteja, cantando Love Today e repetindo "Now everybody is gonna love today" e depois "Love love me", no refrão.

Ia quieta e melancólia, olhando pelas janelas do ônibus – também ele melancólico, observando a modificação da paisagem cedo pela manhã, o dia deixando cores cinzas para timidamente tornar-se numa manhã ensolarada e fria. O ônibus que eu precisava não veio, peguei uma outra opção, tive que descer na Lapa e descer a Cinelândia até detrás do Teatro Municipal. Entrevista de emprego. Alguém já esteve na rua atrás do Teatro Municipal? A vista de lá, é linda. Mas, assim como o dia, era também acizentado e inquieto, vulnerável, quase triste – ou será que o dia inteiro era um reflexo mais bem pintado de mim mesma?

À saída, me encaminhei ao ponto de ônibus, na Avenida Rio Branco. Mas eu não sei os pontos certos, ainda não decorei onde preciso parar para vir para casa e onde não adianta eu me postar. Tudo tão confuso e não sinalizado – como a vida? E você precisa quase se jogar nos ônibus no meio da rua para que te enxerguem e diminuam a velocidade ou andar, mesmo com os pés doendo, de ponto em ponto, pedindo informações que quase ninguém sabe ou se dispõe a dar.

Depois de menos de cinco minutos encarando ônibus e pessoas decidi pelo metrô. Sem filas mas e daí? Tenho o cartão. A estação meio cheia e meio vazia, enquanto eu descia as escadas, chegava o trem, o meu trem. Daquele lado da estação todos os trens me levavam aonde queria ir, todos eram meus trens. Corri um pouco. Vagão meio cheio. Algumas pessoas em pé, nenhum lugar para sentar. Nada sufocante. Havia bastante espaço livre.

Geralmente me sinto bem pelo fato de não precisar me segurar em lugar algum do trem para me manter de pé, firme. Mas vi que o cadarço da minha bota havia desamarrado e eu não tinha onde me segurar. Encostei na porta, com medo da próxima estação chegar e de cair no vão entre o trem e a plataforma. Fiquei tentando fazer malabarismo, com uma perna só, manejando a bolsa no ombro, tentando amarrar a bota e permanecer de pé. Fiquei pendendo, como boneco joão bobo.

Então um homem, um homem grande e gordo, que estava ao meu lado, sem pronunciar nenhuma palavra, me segurou pelo ombro. Segurou com força, me deu apoio até que, enfim, eu conseguisse fazer o que precisava. Nunca vi tamanha consideração e delicadeza num transporte público. Foi um gesto de quem viu meu desespero silencioso e resolveu ajudar. Agradeci mais de uma vez para o caso dele não ter ouvido a primeira vez e ele nem respondeu. Talvez só precisasse sentir que cumpriu algum tipo de obrigação, talvez tenha pensado que não fez nada demais. Mas me tocou. A camisa verde do anônimo gordo e grande do metrô, ficou na minha cabeça – não tive nem coragem de olhar nos olhos.

Fui para o fundo do vagão, me escorar, agora sim, na parede. E chorei. Não dava mais para segurar esse choro doído. Já choraram em um transporte público? Assim como chorar em qualquer local público, é constrangedor, todo mundo olha, como se você tivesse que manter a pose, nariz para cima, cara de tédio e indiferença. Uma pessoa, mesmo desconhecida, chorando perto de você, sempre incomoda, você só quer que ela pare. A pessoa mesmo só consegue pensar que precisa parar e se recompor. Eu não consegui me recompor. Chorei no fundo do vagão até a chegada do meu destino porque, independente de onde estava, aquilo, aquele cinza todo, aquela dor, aquela privação toda de tantas coisas precisava sair de mim. E um gesto cuidadoso de um desconhecido me permitiu isto. Não ligar para o fato de que as lágrimas corriam a galope pelo meu rosto. Era necessário.