quarta-feira, 29 de junho de 2011

As públicas lágrimas

Transportes públicos, um problema. Transportes públicos no Rio de Janeiro: um problema maior ainda. São mal cuidados, barulhentos, atrasados, cheios, sempre, sempre cheios de gente e muitas pessoas mal educadas que se encostam, que conversam entre si sem nunca terem se visto na vida, que acham que o resto do coletivo precisa compartilhar preferências musicais em celulares altíssimos, sempre com aquele batidão insuportável para quem não gosta de funk.

O fone do meu celular, na bolsa. Não o pûs nem na ida e nem na volta. Era o começo de um daqueles dias ruins que nem a melhor música de fossa ou o melhor pop super dançante melhoraria. Na verdade, nem ouvir o Mika cantando teria me feito feliz – e o Mika sempre consegue me fazer querer dançar onde quer que eu esteja, cantando Love Today e repetindo "Now everybody is gonna love today" e depois "Love love me", no refrão.

Ia quieta e melancólia, olhando pelas janelas do ônibus – também ele melancólico, observando a modificação da paisagem cedo pela manhã, o dia deixando cores cinzas para timidamente tornar-se numa manhã ensolarada e fria. O ônibus que eu precisava não veio, peguei uma outra opção, tive que descer na Lapa e descer a Cinelândia até detrás do Teatro Municipal. Entrevista de emprego. Alguém já esteve na rua atrás do Teatro Municipal? A vista de lá, é linda. Mas, assim como o dia, era também acizentado e inquieto, vulnerável, quase triste – ou será que o dia inteiro era um reflexo mais bem pintado de mim mesma?

À saída, me encaminhei ao ponto de ônibus, na Avenida Rio Branco. Mas eu não sei os pontos certos, ainda não decorei onde preciso parar para vir para casa e onde não adianta eu me postar. Tudo tão confuso e não sinalizado – como a vida? E você precisa quase se jogar nos ônibus no meio da rua para que te enxerguem e diminuam a velocidade ou andar, mesmo com os pés doendo, de ponto em ponto, pedindo informações que quase ninguém sabe ou se dispõe a dar.

Depois de menos de cinco minutos encarando ônibus e pessoas decidi pelo metrô. Sem filas mas e daí? Tenho o cartão. A estação meio cheia e meio vazia, enquanto eu descia as escadas, chegava o trem, o meu trem. Daquele lado da estação todos os trens me levavam aonde queria ir, todos eram meus trens. Corri um pouco. Vagão meio cheio. Algumas pessoas em pé, nenhum lugar para sentar. Nada sufocante. Havia bastante espaço livre.

Geralmente me sinto bem pelo fato de não precisar me segurar em lugar algum do trem para me manter de pé, firme. Mas vi que o cadarço da minha bota havia desamarrado e eu não tinha onde me segurar. Encostei na porta, com medo da próxima estação chegar e de cair no vão entre o trem e a plataforma. Fiquei tentando fazer malabarismo, com uma perna só, manejando a bolsa no ombro, tentando amarrar a bota e permanecer de pé. Fiquei pendendo, como boneco joão bobo.

Então um homem, um homem grande e gordo, que estava ao meu lado, sem pronunciar nenhuma palavra, me segurou pelo ombro. Segurou com força, me deu apoio até que, enfim, eu conseguisse fazer o que precisava. Nunca vi tamanha consideração e delicadeza num transporte público. Foi um gesto de quem viu meu desespero silencioso e resolveu ajudar. Agradeci mais de uma vez para o caso dele não ter ouvido a primeira vez e ele nem respondeu. Talvez só precisasse sentir que cumpriu algum tipo de obrigação, talvez tenha pensado que não fez nada demais. Mas me tocou. A camisa verde do anônimo gordo e grande do metrô, ficou na minha cabeça – não tive nem coragem de olhar nos olhos.

Fui para o fundo do vagão, me escorar, agora sim, na parede. E chorei. Não dava mais para segurar esse choro doído. Já choraram em um transporte público? Assim como chorar em qualquer local público, é constrangedor, todo mundo olha, como se você tivesse que manter a pose, nariz para cima, cara de tédio e indiferença. Uma pessoa, mesmo desconhecida, chorando perto de você, sempre incomoda, você só quer que ela pare. A pessoa mesmo só consegue pensar que precisa parar e se recompor. Eu não consegui me recompor. Chorei no fundo do vagão até a chegada do meu destino porque, independente de onde estava, aquilo, aquele cinza todo, aquela dor, aquela privação toda de tantas coisas precisava sair de mim. E um gesto cuidadoso de um desconhecido me permitiu isto. Não ligar para o fato de que as lágrimas corriam a galope pelo meu rosto. Era necessário.

Um comentário:

  1. Que lindo, Mayra. Que sensível. Adorável mesmo. De onde menos se espera, às vezes, vêm os grandes gestos né? É bom estar disponível para reconhecer isso. Transporte público é curioso. Já chorei tantas vezes dentro deles, mas sinto tanta vergonha que nem chego a reparar se tem alguém olhando. Acho que deve assustar as pessoas; talvez por isso ninguém nem se manifeste. Por outro lado, às vezes, é como sua crônica; está tudo péssimo mas alguém transforma isso, de alguma forma... um "obrigada" quando você se oferece a segurar a bolsa/mochila de alguém, acompanhado de um sorriso, tem o poder de mudar um dia.

    ResponderExcluir