sábado, 9 de julho de 2011

A massa polar

Basta ir as ruas, quinze minutos basta. Quando as ruas não estão desertas (ou quase isso) quando a circulação de pessoas deveria ser normal, temos uma idéia do que a massa polar, confortavelmente instalada no ex Estado da Guanabara está gerando.

Cariocas não desgostam somente de dias nublados, eles não sabem como lidar com o frio, poucas foram as vezes que estiveram frente ao frio real. O que o resto do mundo está acostumado a receber nunca passou por aqui. Não vemos neve, não temos geada, raramente temos temperaturas inferiores a dez graus, mesmo no inverno. Raramente, não é sempre.

O guarda – roupa do carioca, qualquer que seja ele, está equipado com roupas leves e veronis. Todo mundo que mora no Rio de Janeiro tem pelo menos duas roupas de banho (ou que servem para ir à praia, tomar sol, ir a uma piscina) e pelo menos, dois pares de sandálias havaianas. Independente de classe social, sejam as havaianas só para usar dentro de casa ou para fazer as unhas dos pés. A gente tem.

Nesse julho da massa polar, com madrugadas com temperaturas inferiores aos dez graus, tenho dormido com um cobertor, um edredom, calça, meia, camisa do pijama, blusão de manga comprida e... luvas! Li em algum lugar que o que deve estar mais protegido do frio são as extremidades do corpo: cabeça, pés e mãos. Talvez eu colocasse o nariz. Dentro desse clima úmido no qual nenhum casaco basta e dessa chuvinha fria, dos ventos cortantes beira-mar, rapidamente o nariz fica gelado – e ressecado. Quem aí tem um capote de lã para me emprestar? Um suplemento vitalício de anti- alérgicos? Quem é que vai desumidificar a Guanabara e permitir que eu tenha uma vida algo normal num inverno que só é anormal para os cariocas?

Antigamente, nos tempos de escola, eu já havia me dado conta dessa necessidade de manter minhas extremidades quentes, minhas mão geladas pendiam e eu, enroscada na minha carteira, levava as mãos discretamente para dentro do blusão de lã e da camisa do uniforme: para ser mais precisa, ou colocava as mãos frias na barriga ou, dentro do sutiã – maneira agilíssima de conseguir esquentar qualquer coisa, enquanto sentia minhas próprias palpitações, o calor emanava de mim para mim mesma. O único porém era, ao suspirar de alívio, dar a impressão errada a algum colega que porventura me vigiasse no momento. Não pega bem quando se é adolescente, suspirar segurando os seios. Mesmo no frio e, principalmente por estar na sala de aula. É preciso caprichar no olhar de “não é nada disso que você está pensado” ou no olhar de “seu pervertido, quer parar de ficar me encarando com esse olhar de babão? Uma pessoa não pode nem mais tentar se esquivar do frio da única maneira que encontra!”.

Falar, nunca. Tudo fica subentendido e logo após, esquecido, a névoa leva os pensamentos para dentro de sonhos quentes como o líquido uterino, do qual vaguíssimas lembranças nos chegam inconscientemente, toda vez que nos postamos em posição fetal com o ataque das massas polares.

A temperatura mais baixa que nossa cidade atingiu, foi em 1929, 4,8 graus centígrados nos Campos dos Afonsos, um lugar propenso a temperaturas muito baixas. Essa semana, o recorde de baixa nos Afonsos chegou a 7 graus. Sete graus em uma cidade que está acostumada a ter um inverno de temperaturas amenas, onde os turistas vão para a praia porque nenhum carioca sabe o que é frio de verdade. A verdade é: ninguém está preparado para o frio de verdade. Numa cidade em que o normal é reclamar de um calor quase sub-saariano e se conformar com sensações térmicas de mais de quarenta graus, chegar a sete, é mais do que motivo de crise, é motivo de desconcerto mesmo.

Debaixo da névoa, a gente não sabe onde a cidade foi parar, por baixo de camadas de roupas grossas, ninguém sabe onde se esconde o corpo ondulante da mulata, do alto, guarda- chuvas tomam o lugar de pessoas numa luta de espadas nas calçadas estreitas. O Rio cinza, não é Rio, não tem samba e nem carnaval. O futebol não empaca e os vendedores de rua, perdem o molejo. Essa semana, o Rio e eu fomos engolidos sem dó por um urso polar. Esperamos que no interior do seu estômago as coisas estejam mais quentes (e coloridas).

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